Quando esse pessoal vai aprender?


Eu lembro da época em que o orkut não tinha sido “dominado” por usuários do Brasil. A coisa era nova, mesmo com redes sociais já existentes e boa parte dos americanos usando o Friendster. Isso foi num remoto 2004.

Eu gostava do orkut porque me serviu para entrar em contato com outras pessoas, que não eram rock-stars da internet, mas mesmo assim com algo legal a dizer e - mais importante - coisas legais para mostrar. Essa era uma época que o Alan Cox participava do orkut (se você não sabe quem é: ele foi por muito tempo uma das maiores referências do desenvolvimento do kernel do linux, sendo o responsável pela versão 2.2) e escrevia nos fóruns, tinha mensagens sobre os eventos do qual participava, et cetera.

Era possível entrar em uma comunidade sobre, sei lá, arquitetura MIPS e ver que tinha gente que trabalha e vive de desenvolvimento em sistemas para essa arquitetura. Era possível buscar referências diretamente com os responsáveis por uma atividade. Por exemplo: você sabia que o MIPS é base dos SoC de boa parte das impressoras, scanners e set-top boxes de televisão?

E não era só isso: tinha gente com perfis simples, mas que apareciam e participavam de comunidades sobre Filosofia, Economia, Gastronomia, discussões sobre tipos de perfil psicológico usando o critério Meyer-Briggs, tudo, tudo, tudo. Até mesmo planilhas de treinos de natação eu obtive no orkut, conversando com um cara do Canadá que estava se preparando para competições do mesmo nível (café-com-leite, e cloro) que eu participava. Toda sorte de assuntos e de idéias era discutida por pessoas interessadas e interessantes. E o melhor: as pessoas participavam porque elas também aprendiam. Havia muita gente interessante para ser conhecida. A tal da “sabedoria das multidões” funcionava.

Mesmo que - para você - esse tipo de informação seja tão importante quanto saber a escalação completa do time de críquete da Lituânia nos jogos universitários mundiais de 1987, ficava inegável a afirmação que o valor de uma rede social está intrisicamente ligado ao valor dos melhores usuários.

Era uma sociedade composta por elementos de boa estirpe. Havia respeito mútuo. O conhecimento se difundia. Até que aconteceu o que costuma acontecer com coisas boas e acessíveis: o orkut caiu no gosto do povo brasileiro. Nem preciso contar a piada, na qual Deus precisava arrumar alguma coisa ruim para o Brasil para compensar uma região tão rica de recursos naturais e livre de catástrofes, para explicar o que significa o problema que foi essa invasão tupiniquim.

Tomados por uma vaidade adolescente, alguns começaram a criar comunidades do tipo “Vamos fazer do Brasil o país com mais gente no Orkut”. Adicionavam qualquer pessoa que conheciam, na esperança de fazer amigos. Ficaram num pissing contest, perdendo toda oportunidade de entrar em contato com pessoas que de esferas diferentes (geográficas, sociais, intelectuais), para transformar o site na versão virtual de um bairro de periferia. Invadiram comunidades onde a discussão era em inglês com tópicos num (mal-escrito) português, usando o banal argumento do “Brazil rlz. C tem brasileru aki, eu vo fala em portugueis”. Achavam que estavam dando uma banana para os americanos-porcos-imperialistas-que-queriam-impor-a-sua-língua-ao-resto-do-mundo, mas estavam na verdade atrapalhando a vida do indiano (que tem inglês como segunda língua), do Mexicano, do Argelino, do Alemão, do Paquistanês… e por aí vai.

O problema inerente a toda massificação de um produto ou um serviço não está na massificação, per se. O problema se destaca quando o uso indiscriminado das “unwashed masses” acaba destruindo o valor que é criado pelos “bons cidadãos”. Se as pessoas que abusassem do sistema pudessem ser ignoradas (como hoje 99,99% dos spammers são ignorados pelo usuário comum do sistema de e-mail), não haveria problemas para os “antigos”. Entretanto, quando o bom cidadão se vê entre a opção de a) tentar educar os ignorantes, b) revidar e lutar pela ordem que antes existia no espaço ou c) fazer a sua malinha e cair fora, é óbvio que o caminho tomado será o do “os incomodados que se retirem”.

E eles se retiram. E procuram um novo lugar para chamar de seu. E o novo lugar chama atenção porque (de novo) tem gente de valor. E as massas correm atrás “desse novo lugar que tá virando uma nova febre”. E todo o jogo recomeça. “É o círculo da vida”, apresentado pelo Cid Moreira, veja mais nesse domingo, no Fantástico.

Um outro problema colateral de todo esse movimento é causado pelos discípulos de Gérson, que enxergam uma vantagem burra e participam ativamente desse movimento de deterioração de um serviço de qualidade. Na tentativa de ganhar dinheiro fácil (“AdSense! Monetização! Clickthrough! SEO!"), sempre tem uma meia dúzia de tontos que entram num jogo de popularidade para tentar faturar algo que não passa de, salvo raras exceções, meros trocados. Pessoas gastam horas e horas na frente do computador em troca de dinheiro de pinga, e nem percebem que estão sendo usadas num processo que faz uma transferência inútil de riquezas de ponto-da-moda-A para ponto-da-moda-B.

Ficar falando em “técnicas para maximizar os cliques no AdSense” ou em “como invadir o Digg direito” é o equivalente da blogosfera de garotinhas de escola que disputam quem vai ficar com o playboy da turma: não é difícil (pra quem se dispõe a sujeitar a se abaixar e mostrar os peitinhos, se tornando a vagabunda fácil), não é algo único e exclusivo (ou você acha que o pessoal do Digg vai manter o seu link online por mais do que poucas horas?) e dois dias depois que você fizer, você vai estar arrependido e com a reputação queimada diante dos seus pares. Andy Warhol falava que todos teriam seus 15 minutos de fama, mas pouco foi dito foi sobre o que vinha depois da festinha.

Como diria o Goyaba:

Não entendi isso de alguns blogueiros ficarem putinhos com a campanha do “Estadão” que compara a nossa, ahn, “espécie” a macacos. Sou macaco velho, com quase seis anos de blogagem, e acho que eles estão certos. Por que não estariam? Blogue é - essencialmente e em diferentes graus de elaboração - punhetagem, descrição de atividades como “hoje comi banana” e, às vezes, jogar cocô nos visitantes, o que é sempre divertido. (…)

“Ah, mas não é bem assim! Tem muita gente séria vivendo de blog!”. Tem. Ô se tem. Antes que o leitor se sinta atingido e pretenda disparar na caixa de comentário alguma lista de “pessoas influentes que ganham dinheiro com negócios na Internet”, pergunte-se: o que veio antes para eles? O público ou a “monetização”? Antes de pensar em AdSense ou propaganda, eles se preocuparam em oferecer um produto de qualidade para os seus consumidores.

Só depois que eles se tornaram uma referência em algum assunto específico (empresas de internet, design gráfico, jornalismo independente, fofocas sobre celebridades) veio o momento de poder capitalizar (merecidamente) o material que foi produzido. E “capitalizar” (termo muito melhor do que “monetização”) é algo que não se traduz diretamente por “banner de propaganda”. Capitalizar o material do blog pode ser feito com outras coisas: escrever um livro para um público cativo de seus textos, construir branding de empresas através do seu blog, tornar-se garoto-propaganda da sua empresa e inspiração para profissionais do ramo.

O difícil disso tudo é que tornar-se uma referência em algum assunto não é algo que acontece do dia para a noite. O moleque que só quer ganhar uns trocados (Pô, a grana é pra eu poder ir na balada) acha que sua atitude é inofensiva e não acha que está causando algum mal. Está, sim.

Quem age assim mata a galinha que ainda bota os ovos. Está causando mal a si próprio, perdendo tempo precioso que ele poderia usar trabalhando em algo mais interessante e aprendendo coisas realmente úteis. Está causando mal aos outros, aos “bons cidadãos”, ao praticar algo que pode trazer benefício no curto prazo às custas de um trabalho de longo prazo. Não acredita em mim? Veja por aí se não tem moleque fazendo troca-troca no AdSense? “Clica no meu que eu clico no seu”. Qual é o benefício disso? Dois moleques ganham dinheiro de pinga, e o Google reage mudando o sistema de cobrança. Pior ainda: os anunciantes do AdSense perdem a credibilidade no sistema e deixam de anunciar, prejudicando todos no processo.

Quando o Miguel começou a me pentelhar para escrever aqui, eu fiquei reticente: não iria escrever tanto sobre técnicas e dicas de tecnologia, e ele já faz isso com muita competência, então onde eu estaria adicionando alguma coisa útil a ser dita? Levei tempo para achar um caminho, até ter uma resposta mais ou menos satisfatória: vou escrever com uma idéia tão única quanto arrogante: eu quero escrever para redefinir a visão do trabalho do computeiro, engenheiro de software ou qualquer título que vá no seu hollerith. Aqui, meu trabalho vai ser redefinir o seu trabalho, aí.

Queremos aumentar o público? Claro que queremos. Queremos saber que tem gente que lê o que escrevemos? Claro que sim, ou nem me incomodaria de escrever num blog e teria um “querido diário”. Mas qualquer um que preza o seu trabalho jamais vai pautar o seu blog em cima de popularidade. Qualidade acima de quantidade. Isso é válido para qualquer coisa que fazemos com gosto e queremos sucesso: desenvolvimento de software, design, arte, literatura, namoros… até para a nossa audiência.