“Não existe almoço grátis”, diria Milton Friedman. A máxima tem um fundamento importante: mesmo quando as coisas não vêm com uma etiqueta indicando um preço, não quer dizer que elas deixaram de ter um custo. O software pode ter sido obtido de graça (seja software de código-livre, seja software pirata), mas o desenvolvedor deseja certamente ser recompensado pelo tempo que dedicou ao trabalho.
Essa recompensa pode até não ser monetária. Muitas pessoas trabalham em busca de reconhecimento, ou por desejarem resolver um problema que o incomoda, ou por hobby - um mero passatempo que agrada. Sempre há algum tipo de recompensa desejada em troca.
Entretanto, há uma coisa diferente em software: depois que o produto estiver pronto, ele pode ser infinitamente consumido a um custo irrelevante. Duplicar software tem custo marginal que é zero, se comparado ao custo do desenvolvimento. O mesmo pode ser dito de qualquer produto que possa ser digitalizável: músicas, filmes, informação em geral. Esse é um dos pontos-chave para falarmos da Economia Digital.
Baseado nisso, eu deveria me esticar um pouco para justificar a seguinte afirmação: “a melhor forma de garantir a produção de riquezas em uma sociedade cada vez mais baseada em uma economia digital está em buscar uma forma de fomentar e financiar os criadores, e buscar consumir apenas aquilo que possui um custo marginal de duplicação.”
Mas se eu esticar demais, deixo a coisa complicada. O que eu quero dizer é simples: se arrumarmos um sistema onde as pessoas que produzem tenham um sistema que incentiva a produção ao mesmo tempo que obrigue que o produto final seja livremente copiado, então toda a sociedade se beneficiaria mais do que numa sociedade onde há escassez artificial.
E o que é escassez artificial? Software proprietário. Música com proteção de DRM. Patentes sobre desenvolvimento de remédios. Livros que não podem ser copiados em universidades… qualquer coisa onde a tecnologia (ou a política) é usada para impedir o livre fluxo e consumo de bens e serviços.
Software as a Service
O crescimento e a adoção do modelo de desenvolvimento open source levou a uma reação a algumas das empresas que possuem a propriedade intelectual como pilar estratégico. Essa reação foi simples: “vamos deixar de pensar no software como um produto, e vamos transformar num serviço”. Os consumidores não pagariam um valor grande para comprar o (direito de uso do) software, mas passariam a usar a infra-estrutura dos provedores de serviço em um modelo pay-as-you-go. Ou seja: ao invés de ter que comprar o carro, o consumidor passou a andar de táxi. O consumidor consegue o que quer e o fornecedor arrumou uma maneira de receber uma recompensa pelo seu trabalho. Todos saíram contentes, certo?
Ainda não. Isso pode ser ótimo para quem não quer ter a dor de cabeça de dirigir o carro, mas é péssimo para aqueles que não querem depender do taxista. É péssimo para aqueles que querem um carro para exercer eles mesmos uma outra atividade econômica.
Mesmo que as empresas não estejam mais cobrando pelo produto, ainda falta um mecanismo para permitir a livre duplicação de um produto depois de acabado.
Por que não o Open Source?
Porque não funciona como estímulo para a inovação. Qual é o projeto que você conheça que foi a) desenvolvido desde o começo de forma aberta e b) razoavelmente original em sua concepção e c) capaz de recompensar diretamente o idealizador do projeto apenas?
Linux? Cópia do Unix, feito há mais de 40 anos. Apache? Servidores web já existiam. Pessoas que trabalham em projetos de linguagens de programação abertas fazem isso ou por hobby ou são projetos financiados por terceiros. Android? Não há nada de novo.
Nenhum. O modelo open source é ótimo para implementar idéias que já se provaram, mas não funciona como campo de laboratório. Para idéias realmente inovadoras e para empreendedores, as recompensas possíveis não são maiores do que os riscos envolvidos. E as pessoas só trabalham em coisas arriscadas quando a recompensa é proporcional.
Sem contar que é difícil de engolir o papo de que as empresas que produzem software open source podem viver de suporte. Se o produto for realmente de qualidade, é de se esperar que ele não dê dor de cabeça para o consumidor final. Software de qualidade (just works) e dependência de equipe de suporte são qualidades mutuamente exclusivas.
Uma alternativa: o mercado de futuros
Se você já tentou comprar um imóvel, você deve ter percebido que existe a possibilidade de comprar o imóvel “na planta”. Em miúdos, você fecha um contrato de um imóvel que ainda será construído. Obviamente, quem compra o imóvel na planta acaba pagando um valor menor do que os que compram o mesmo imóvel em etapas posteriores do empreendimento. Isso acontece por que um comprador de imóvel na planta está comprando não só o imóvel, mas está comprando _risco. _Não há nada que elimine a possibilidade de atrasos na execução, oscilações do mercado e até mesmo que o dono da construtora e sua secretária de 22 anos de idade fujam com o seu dinheirinho para alguma ilha remota do mundo.
Esse risco tem um valor a ser quantificado. Se para o comprador do imóvel o valor do risco é menor do que o desconto, certamente é vantajoso comprar o imóvel na planta. A empreendedora também vê vantagem. Ao ter clientes que compraram o imóvel na planta, ela pode arrumar recursos para iniciar as obras, garantindo a continuidade do empreendimento. Ela pode também não vender algumas das unidades e vender apenas com o imóvel pronto, obtendo assim uma margem de lucro maior.
Não creio ser tão difícil assim emular um modelo parecido para a Economia Digital. Nesse sistema, as pessoas que desejam algum software (ou música, ou livro, ou filme) compram um produto “na planta” daquele que for capaz de oferecer o produto ao menor custo, incluindo o risco. O vendedor, em troca, se comprometeria a disponibilizar livremente o produto do seu trabalho acabado. Dessa forma, temos o melhor dos dois mundos: o produtor só trabalha com a garantia de que será recompensado e o consumidor fica livre para usufruir do que comprou, como quiser.
Há ainda uma óbvia vantagem: se forem várias as pessoas interessadas em um produto similar, elas podem fazer o rateio do custo.
Já existem empresas que tentam levar o modelo adiante. Existe um site chamado Micropledge que atua como um mercado de projetos futuros. Consumidores se comprometem a pagar um pequeno valor em favor de um determinado projeto. Esses compromissos (pledges) são registrados no site e acumulados. Desenvolvedores podem “dar o seu preço” para que trabalhem no projeto. No instante que o valor acumulado em pledges é satisfatório para o desenvolvedor, o trabalho se inicia. O desenvolvedor só pode receber o dinheiro e as pledges só são cobradas depois que o produto é entregue de forma satisfatória pela maioria das pessoas que fizeram o compromisso.
Na teoria e na prática, é um verdadeiro exemplo de como funciona uma economia de mercado. Entretanto, para que funcione, é preciso que acumule uma massa crítica.
É aí que você entra.